// BONUS TRACK






NEM SÓ DE BRUSHES E LAYERS VIVE A ESPÉCIE DIRETOR DE ARTE. AO GANHAR DO PUNKNET O SONHO DA COLUNA PRÓPRIA, BATIZADA DE BONUS TRACK, FOI A HORA DE ENFRENTAR UM BICHO NADA AMIGÁVEL CHAMADO MICROSOFT WORD. O JÁ SAUDOSO SITE DE ROCK INDEPENDENTE, UM DOS PRINCIPAIS DO BRASIL, PERMANECEU MAIS DE 10 ANOS NO AR, COM 5 MIL ACESSOS DIÁRIOS.


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Fritação Olímpica





Em tempos de Pira Olímpica, revezamento 4x100 medley, 400m com barreiras, caminhões de gringos despirocando geral com os encantos Made in Brazil e tanto patriotismo no ar, nada melhor que falar da nossa tão honrada e esforçada delegação. E uma das nossas maiores esperanças de medalha de ouro vem da ímpar Odradek. Principalmente na modalidade Rock Experimental Alucinógeno.

Batizada por uma figura extraída de um conto do escritor Franz Kafka, a piração do power trio piracicabano nasce naturalmente envolvida pela temática repleta de arquétipos de alienação, labirintos e transformações místicas do autor. Cenário onde Odradek é decifrado por algo que não se sabe bem para que serve, mas completo à sua maneira. Essa brilhante definição é fundamental para preparar o terreno antes do play inicial - ou iniciático?

Com tempo relativamente curto de estrada e um futuro altamente instigante à frente, Fabiano Benetton (guitarra), Caio Gaeta (bateria) e Tomas Gil (baixo), saíram queimando a largada com o esdrúxulo Homúnculo - adjetivo que cai como uma luva por aqui: aquele que se encontra fora das regras usuais ou comuns; que se apresenta de modo incomum, causando admiração ou espanto. Lançado em 3 partes (Vol. 1, Vol. 2Vol. 3) entre 2014 e 2015 - unificados nas versões dos players Spotify e Deezer - Homúnculo é um disco para ser ouvido com certa prática homeopática num primeiro contato. Com inúmeras colagens de ideias, nuances infinitas e variantes matemáticas, a Ayahuasca sonora tem o poder de facilmente queimar o relê de ouvidos despreparados.
A viagem é acompanhada também pela curiosa concepção visual de simbologias e imagens produzidas pelo estúdio Crase – mais um ponto pro Brasil.

Mas Homúnculo seria na verdade um aquecimento para aumentar a intensidade física, a temperatura corporal, evitar cãibras e lesões musculares para o que viria a seguir. Foi então que os Neo-ayahuasqueiros tomaram um shot triplo de Santo Daime cowboy e emendaram uma parceria inusitada com os singapurenses do Sphaeras na idealização do inrotulável e atualíssimo split Sun Seeker | 2016.

Parceria feita à distância, meio a arquivos de áudio navegando entre ocidente e oriente, as duas potências assinam juntas a obra, e literalmente, os dois sons de abertura.
Sun Seeker abre assustando mais uma vez pela maturidade sonora dos raparigos, e a bela My Wish is Your Command acerta logo outro cruzado de esquerda no fígado com a doce fusão da vocalista convidada Weish (sub:shaman) a uma base instrumental doentia de boa.

Como todo rock-experimental-doido-de-pedra, as 3 composições Odradekenses que surgem na sequência percorrem caminhos complexos e instáveis, repletos de texturas mutantes a todo momento. Sabe aquela coisa, quando você acha que sacou o som, ele te dá um ippon? Seja no complexo final de Triscaidecafobia, no pesado e direto riff de cordas de Orla ou no melódico refrão de Tétrico. Uma trilogia de respeito, onde todos os ruídos funcionam em perfeita harmonia - ou não. 

Além da capa ilustrada pela talentosa Dawn Ang (Aeropalmics), a delegação de Singapura ainda se encarrega de fechar a brincadeira com os últimos 3 sons. Mas devo avisar: a essa altura, provavelmente já com a mente flambada em fogo alto, é difícil dedicar a atenção merecida.

Agora é esperar os nossos atletas do interior de São Paulo pipocarem de vez - provavelmente antes de Tokyo 2020 - e ouvir o Galvão gritar atônito: é do Brasil-il-il. Ouve lá. Confia!

















Mochos do Ártico





O metal sempre foi muito bem representado, obrigado, pelos países lá de cimão onde a friaca pega pra valer. Há quem diga que a neve seja a responsável, entocando a molecada que vai mandando brasa nas garagens.
Besteira, claro. Mas com uma selvageria viking particular e um curioso TOC por corujas, os noruegueses do Kvelertak fazem uma metalêra nervosa que merece muito ser ouvida com carinho.

Dando à luz 3 discos deveras aprazíveis em menos de uma década de banda, o sexteto de nome difícil tem várias cartas na manga. O homônimo disco de estreia de 2010 tem o melhor cartão de visitas: a tijolada de Ulvetid que abre a roda com os dois pés no peito, invocando a base do tsunami guitarrístico triplo - oh, yeah, 3 guitas, sim senhor. É ali que o blast beat do capiroto entra em combustão com o vocal possuído por um búfalo na ladeira de Mr. Erlend Hjelvik. Você percebe de cara que a diversão vai ser garantida. Em 20 segundos.
E se você não entender nada o que está rolando, relaxa que tá tudo certo. Os conterrâneos do A-ha fizeram a sábia escolha de cantar em norueguês mesmo.
Para o alto e avante, três pedradas depois, o single Blodtørst vem marretando com força um riff de guitarra certeiro. E o clipe, em animação, convenhamos, é sempre mais legal.

Mas foi com Meir | 2013 que os caras pularam a barreira da Escandinávia. Lançado pela Sony localmente e pela Roadrunner para o mundo, o dimdim começou a girar o caixa e o clipe lindão e bem produzido do single matador Bruane Brenn acertou na veia, trazendo também um cheiro de melodia hardcore ao refrão. Já a gurizada do vídeo poderia ser chamada pra 2ª temporada de Stranger Things, né não?
Abrindo com um gritão gutural da chamada do apocalipse, Evig Vandrar vem na sequência trazendo aquela vontade boa de encarnar Michael Douglas em Um Dia de Fúria e acelerar um trator por aí. Outro vídeo com desenho, dessa vez trazendo o moodzão árido de tretas pela sobrevivência em algum deserto de Arrakis ou Jakku.
Depois desse combo racha-pratos-da-batera, a alegria old school ainda continua pelos trash movies em Månelyst.

Aparentemente mais fraco que as pérolas anteriores, o atual Nattesferd | 2016 também tem seus momentos brilhantes. Novamente trazendo referências interplanetárias ao epicentro do furacão, a homônima Nattesferd tem de longe a melhor intro do disco. Num crescente hipnótico ao longo de 2 minutos - editado pela metade do tempo na versão youtúbica - o riff prepara lindamente a cama pro pipoco do trovão que vem à frente. Só acho que dragsters em chamas teriam combinado melhor que Planeta dos Macacos à sonzeira. Mas, tudo bem.  

E nesse apego aos bichos noturnos de rapina e todo visual, o trabalho gráfico dos bolachões também merecem atenção à parte. Principalmente os 2 primeiros petardos, ilustrados pelo também músico John Dyer Baizley, comparsa dos caras. Este por sua vez é o front da Baroness, outra banda que merece um textinho por aqui qualquer dia desses. Já o dono dos rabiscos tem no portifólio até trabalhos feitos pro Metallica. Dá um google aí no trampo do gajo. Depois é só levar a referência para o seu tatuador preferido. Olhaí: coluna com dica dupla!

Mas, voltando à Noruega – ou oficialmente, ao Reino da Noruega – como uma banda de origem viking com 3 guitarristas, clipes com geleiras e desertos, mochos predadores pra todo lado e muita gritaria incompreensível sem freio, pode não ser interessante? Confia!

















Enquanto isso na Sala de Justiça





A súbita liberação de energia na crosta do planeta Terra, geradora das ondas sísmicas, é geralmente ocasionada pelo choque das placas tectônicas, lembra? Ou não. Vez ou outra, alguns X-Men do rock se reúnem para dar uma acordada na escala Richter. São elas, as superbandas.

Mas antes de ouvir a nova formação mutante da cena, uma breve recapitulada no divisor de águas que foi o The Mars Volta pode ser interessante, já que esse para-raios de super talentos foi o próprio Instituto Xavier Para Jovens Superdotados. Nesse cenário brotaram outros tantos projetos curiosamente envolvidos pelos respectivos monstros baterísticos que ali habitaram. Afinal, nesse departamento, os malandrinhos donos da bola, Cedric Bixler-Zavala e Omar Rodriguez-Lopez, sempre tiveram superpoderes para contratar as melhores máquinas moedoras de baquetas do mercado.

A primeira Arma X dos caras foi Jon Theodore, que depois de gravar a linduxa trilogia inicial e zarpar da banda, se uniu à metralhadora vocal de Zack de la Rocha. Um terceiro meliante, Joey Karam, foi pescado pela dupla e assumiu um tecladão cheio de efeitos à moda Tom Morello. Ali foi batizada a One Day as a Lion, que infelizmente, como manda a tradição, contabiliza apenas um filho único de mãe solteira - o homônimo EP de 2008.
Embora o petit comité tivesse potencial pra agradar as torcidas das duas potências, a coisa não gerou muito auê e passou sem grande atenção pela mídia. Embora altamente recomendável, a formação peculiar - batera, voz e teclado - buscou uma sonoridade muito mais rage-against-the-machinável que algo particularmente novo. Os singles Wild InternationalLast Letter não me deixam mentir.  
Por hora, Theodore segue sabugando com força suas levadas em outra superbanda da justiça, a Queens of the Stone Age. Ou pelo menos, sempre que Dave Grohl dá uma brecha.

Passando para o terceiro batera da The Mars Volta, Dave Elitch também deu seus pulos. Conexões com figurinhas importantes foram feitas durante as turnês, e depois de sua saída das garras de Cedric & Omar, o anúncio da hecatombe Killer Be Killed foi feito. Era praticamente a reunião dos Avengers.
Ao lado das marretadas de Thor, solamente Greg Puciato (The Dillinger Escape Plan) - voz e guita, Troy Sanders (Mastodon, Gone is Gone) - voz e baixo, e… Max Cavalera (Sepultura, Nailbomb, Soulfly, Cavalera Conspiracy, etc., etc., etc., etc., etc.) - voz e guita. O single Wings Of Feather And Wax mostra para as crianças como se deve abrir um disco. Também cria única, a voadora homônima de 2014 reúne todo mundo ali na quebradeira: Capitão América, Homem de Ferro, Hulk e Thor. Curb Crusher vem com vontade logo depois, mas curiosamente com a presença de Ben Koller no vídeo, substituindo o co-fundador faixa preta da batera.

Voltando finalmente ao centro dos abalos sísmicos da The Mars Volta (mais precisamente a gestão do meio), Thomas Pridgen - o Pai Mei dos paraddidles - anunciou recentemente outra reunião peso pesado, a Giraffe Tongue Orchestra. Lembra quando o Esquadrão Relâmpago Changeman se reunia para a formação da Power Bazooka? Vai daí.
Liderada pelo trio William Duvall (Alice in Chains) - vocal, e pelas guitarras de Brent Hinds (Mastodon) e Ben Weinman (The Dillinger Escape Plan), a formação ainda traz a cozinha de Pete Griffin (Dethklok, Zappa Plays Zappa) - baixo e do mestre Thomas em questão, tacando-lhe pau. Olhaí Mastodon e The Dillinger Escape Plan embolados novamente.
O recém tirado do forno, e ainda pelando Broken Lines, tá na área com ótimos momentos. Adapt Or Die abre o disquinho com classe, mas a eleita para single oficial, Crucifixion, vem na sequência trazendo cenas um pouco déjà vus e bem familiares do nosso presente político - literalmente. No-One is Innocent, a melhor música da bolacha, ainda não foi explorada e vem novamente seguida por outro hit: Blood Moon - esse sim bem mais humorado e também visualmente mais interessante que o primeiro, com japinhas mangás torturadoras.

Pena que essas estruturas geológicas dos supergrupos liberem geralmente uma explosão única de magma na superfície terrestre. Seria louvável ver alguns deles mandando brasa numa história contínua, entre uma pausa e outra das bandas oficiais de seus respectivos heróis. Enquanto isso não rola, dá uma fuçada que tem coisa boa de balde por aqui. Confia!

















Um Autêntico Single Malt





Uma das coisas que mais me encafifa, é a diferença no reconhecimento de algumas bandas em cenários geograficamente diferentes. É claro que entra em cena toda a novela mexicana de rolos de gravadoras, selos, canais de distribuição, produtores, agentes, escritórios, players, diferenças culturais, regionais, amigo daqui, indicação dali, brigas de egos, jabá nas rádios, nas capas das revistas, nos sites de downloads... e lá vai pedra. Mas, quando essa percepção é realmente considerável e acontece no mercado de determinada banda ou artista de um alto nível de sucesso e glamour, é curioso.

Os escoceses da Biffy Clyro se encaixam perfeitamente aqui. Donos de prêmios graúdos da indústria britânica, como o Brit e o NME Awards, os caras acumulam inclusive disco de platina - diga-se 300.000 cópias vendidas - pelo Reino Unido. Além disso, costumam encabeçar line-ups (sempre bem lá no up) de muitos festivais, não só da zoropa, mas até de asiáticos como o classiqueira Fuji Rock Festival. E por aqui no Brasilzão, mesmo com toda facilidade digital, ainda pouco se fala no até então inexpressivo power trio. Mesmo depois da passagem dos branquelos pela América do Sul, dois anos atrás, onde pouco mais de meia dúzia de gatos pingados deram o ar da graça no show. Aliás, que belo showzaço!

A verdade é que os dito-cujos da terra do Highlander, O Guerreiro Imortal, certamente tem potencial. Com quase 20 anos de estrada, são donos de vários dos refrões mais parrudos da cena atual e sabem como poucos, combinar partes instrumentais cabeçudas e pesadas à melodias de um quase pop elegante. E mais, sabem também explorar - infelizmente - o lado modelete do baixinho Simon Neil (guita e voz). Este por sua vez, é sempre assessorado pela cozinha dos irmãos Johnston - James, baixo e backing vocal; e Ben, batera e backing vocal.

Ah sim, digo infelizmente, porque minha teoria é que a banda sempre tropeça quando tira a camisa pra gravar um clipe. Carece disso? Bom, acho que é aí que entra a parte da gravadora, prêmios, discos de ouro e toda a glória. Mas, exatamente por isso, o Biffy Clyro é uma banda que fica menos interessante a cada novo single, onde a discografia acaba funcionando melhor numa ordem Benjamin Button - do último ao primeiro disco - quando a história soava menos pretensiosa.

Em todo caso, se você não conhece os últimos hits dos caras, pode dar um check sem problemas, começando pela recente criança tirada agorinha do forno: Ellipsis. Por ali, Wolves of Winter faz as boas-vindas. Mas, voltando, a coisa melhora com Similarities | 2014, Opposites | 2013, Only Revolutions | 2009, Puzzle | 2007, além de vários EPs e B-Sides. Nessa altura, chegamos aos épicos That Golden Rule, que vale pelo final instrumental de quase 2 minutos; e Mountains, que ok, poderia ser menos teatral, mas vai dizer que Matthew Bellamy ou Chris Martin não gostariam de ter feito esse hino?

Mas, é em Infinity Land | 2004, que esse texto encontra a razão de sua existência. Abrindo com a torta Glitter and Trauma, o trabalho segue bonito por um terreno instável e oscilante, mezzo Math, mezzo Post Rock, metralhando riffs poderosos na sequência. Com músicas compostas com mais de um refrão (sabe aquele som que não tem só um ápice?), o disquinho é um belo desperdício de material bruto, no bom sentido. Muita coisa ali que poderia ser engavetada para um novo hit, aparece praticamente descartada e encaixada como uma simples ponte ou introdução. Depois de ouvir na sequência Strung To Your Ribcage e My Recovery Injection, você há de concordar que esse é aquele disco que incomoda e que você procura.

Seguindo em frente (ou melhor, para trás), com The Vertigo of Bliss | 2003, e Blackened Sky | 2002, ainda vem bastante coisa boa como em 57, com os caras ali, moleques de tudo. Vale aquela espiada enquanto os escoceses ainda não acontecem por aqui. Agora, atenção: é em Infinity Land que a mágica acontece. Esse sim é o puro single malt premiado que merece ser degustado na íntegra, num play só, de cabo a rabo. Confia!